Por Ana Eufrázio
Com
certeza não tenho a resposta pronta e acabada, até mesmo porque são tantos argumentos
e sentimentos que envolvem o controverso tema que não é possível apontar apenas
um motivo pra o desconforto que alguns sentem quando se fala em aborto. Apesar
disto a gente pode pensar um pouco sobre a temática.
Vamos
começar com a seguinte pergunta; Quem engravida e aborta?
Sem
levar em consideração a nova vertente de que o casal é que fica grávido (o
homem e mulher envolvido na relação sexual), quem engravida e aborta é a
mulher.
De
quem é a culpa do aborto?
Bem,
já sabemos que o homem não aborta e não engravida (mesmo os que estão gestantes
em solidariedade a mãe), logo a culpa do aborto é da mulher.
Mais
uma pergunta, aparentemente, boba (mas que vou fazer assim mesmo); Para que a mulher
engravidasse foi preciso que ela fizesse o que?
Pra
que nós, mulheres, engravidemos é preciso que façamos sexo (com ou sem consentimento)
não é mesmo? Nesse caso, vamos excluir as inseminações artificiais e qualquer
outro método de fertilização que exclua a atividade sexual como prática
reprodutiva.
Então
já concluímos que quem engravida é a mulher, que é responsável pelo aborto e ela
engravidou porque fez sexo.
Mais
uma pergunta; Em caso de sexo consentido, o que levou a mulher a fazer sexo?
Não
vamos nos ater aos casos em que a mulher faz sexo porque cansou de resistir às
investidas do namorado, marido, amigo, ou outros motivos que não a sua livre e espontânea
vontade. Vamos nos concentrar nos casos em que a mulher fez sexo porque estava desejando
ter relações sexuais. Nesse caso a mulher fez sexo porque sua libido lhe exigiu
(estava excitada).
Se
ela não queria ter filhos, porque engravidou?
Vimos
acima que, como ela estava excitada, desejando muito o sexo, esqueceu de se “prevenir”
de uma gravidez indesejada. Bem, a gente vai esquecer também os casos em que os
métodos anticoncepcionais falham, afinal, nenhum método é 100% eficaz na
prevenção da gravidez.
Então
concluímos que é a mulher engravida porque fez sexo, porque estava excitada e
porque não se preveniu.
Portanto,
“ela foi irresponsável e deve ter o filho como punição”.
Aqui
cabe mais uma pergunta, desnecessária é claro (mas faço questão de fazê-la
mesmo assim); Então um filho (ser humano) pode ser uma punição? E que tal colocar
o nome dele de Penitência? O que acha?
Mas
vamos voltar ao tema. “A mulher engravidou e precisa ser punida”.
Assim
sendo, a mulher (perdoe-me pelas inúmeras palavras repetidas, mas é preciso pra
dar ênfase aos enunciados e sentenças) vai ser punida porque ela engravidou,
certo? ERRADO, ela vai ser punida porque GOZOU.
É,
a mulher é punida porque não resistiu aos encantos do macho e aos apelos da
libido. Portanto a gravidez e a maternidade é castigo (que a mulher é obrigada
a pagar) pelo seu pecado, o orgasmo, que em muitos casos fica só na busca, já
que somente pouco mais 30% das mulheres conseguem atingir numa relação
compartilhada.
Talvez
você esteja pensando: De onde essa louca tirou essa ideia?
Quando fiz uma curetagem (procedimento cirúrgico
pra retirada de restos ovulares decorrentes de gravidez mal sucedida), no
hospital Universitário, SEM ANESTÉSICO, enquanto gritava de dor a enfermeira me
mandava calar a boca porque na hora de fazer eu não havia reclamado. E você pode
procurar no Google relatos de violência obstétrica que vai encontrar centenas
de relatos semelhantes ao meu, nos quais as enfermeiras e médicos acusam a
parturiente de reclamar durante o parto, mas não reclamarem do ato sexual.
Bem,
aos que ainda acham que estou delirando, sou esquizofrênica ou doida varrida,
peço que façamos mais uma reflexão: Não é verdade que mulheres que gostavam de
sexo e/ou gozavam eram consideradas endemoniadas, doentes, vagabundas dentre
outras coisas?
Não
concorda? Vamos fazer um resgate histórico:
Com “a transformação do matriarcado para o patriarcado e
da supremacia da igreja, muitas mudanças ocorreram... então, a interdição da
sexualidade feminina, cabendo-lhe restrições ao desfrute do prazer sexual e
relacionando a mulher a necessidade (somente) de procriação... No período da
inquisição, o desejo sexual era visto como algo satânico, e as mulheres, por
serem sedutoras, eram vistas como tentações do demônio. De acordo com Abdo
(2008), neste período muitas mulheres foram inclusive queimadas sob a alegação
de realizarem bruxaria. Por volta do século XIX a atividade sexual foi então
marcada pelo objetivo de reprodução e o prazer sexual visto como pecado. Havia
o interdito de qualquer relação da sexualidade feminina com a obtenção de
prazer sexual.” GEZONI e BOZZA.
“Nas
primeiras décadas do século 19, mulheres que apresentavam irritabilidade,
insônia, ansiedade, dores de cabeça, choro e falta de apetite, entre outros
sintomas, eram diagnosticadas com histeria,
uma doença psíquica tida como exclusivamente feminina. O problema,
acreditava-se, era causado por perturbações no útero... Na medicina
hipocrática, um ativo desejo feminino por sexo e seus sintomas (excitação,
fantasias eróticas, lubrificação vaginal e comportamento em geral melancólico
ou irracional) eram conhecidos como uma doença chamada histeria - literalmente,
doença causada por um deslocamento do útero”, esclarece o jornalista Jonathan
Margolis em seu livro O: The
Intimate History of the Orgasm (A história íntima do orgasmo,
lançado no Brasil pela Ediouro).
“Assim, para amainar a histeria, o tratamento recomendado era a
massagem no clitóris, feita diretamente pelo médico, em consultório. Com as
mãos, o médico estimulava a paciente até que ela atingisse o “paroxismo
histérico”, conhecido hoje como orgasmo. Depois de uma sessão de gemidos e
gritos, a mulher ficava mais calma, e os sintomas desapareciam - pelo menos por
um tempo”. Rachel P. Maines.
Vimos que o prazer feminino até bem pouco tempo (mais
precisamente até a revolução industrial) representou algo condenável. Com a
atuação dos movimentos feministas essa realidade mudou completamente, certo?
ERRADO, o prazer feminino ainda continua sendo reprimido, censurado e punido.
A criminalização do aborto é uma forma de punição a prática
sexual feminina, principalmente porque não atinge o homem (pai). O estupro, a discriminação
da mulher que teve ou tem muitos parceiros (gosta de sexo) e se veste de
maneira sexual idem. Levariam posts e mais posts pra enumerar todas as formas
de punição que a sociedade impõe a mulher que gosta de sexo. O desejo de muitos conservadores é que voltasse o tempo em que as mulheres eram queimadas em praça pública como punição aos seus "crimes" sexuais, nesse caso por conta do aborto.
Por fim, concluímos que a liberdade sexual,
sintetizada no gozo, é disfarçadamente censurada. Subliminarmente, o que se
busca com a manutenção da criminalização do aborto é dispor da sexualidade
feminina e manter muitas das outras liberdades femininas cerceadas, porque
controlar o útero e a vagina da mulher é manter sua liberdade sob controle. Por
isso o aborto incomoda tanta gente, porque se traduz num livre exercício da liberdade
sexual feminina e coloca a mulher como dona do próprio corpo.
Fonte: REVISTA EFICAZ – Revista científica online: SEXUALIDADE
FEMININA: ASPECTOS CULTURAIS DA REPRESSÃO SEXUAL E SUAS CONSEQÜÊNCIAS
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