por Ana Eufrázio
O
estuprador é um sujeito mal encarado, mal vestido, normalmente negro, usando
roupas baratas, portando arma e que anda sempre se esgueirando, á pé, pelas
ruas e calçadas escuras e/ou desertas. Certo?
ERRADO. Em alguns casos
sim, esse pode ser o perfil do estuprador. Entretanto, essa descrição não
reporta ao perfil primordial do agressor, que pode abranger os mais variados
tipos (branco, loiro, negro, pardo, alto), classes sociais (rico, pobre) e aparência
(bonito, feio).
Entretanto,
o mais preocupante é que em 35% dos casos, o estupro acontece dentro da casa da
vítima. E somente em 18% destes casos, o
autor do estupro usou algum tipo de arma, o que implica proximidade e
facilidade em abordar a vítima. E quase metade delas, 47%, tinha menos de 18 anos,
o que indica que o agressor tinha alguma autoridade sobre elas. O número de
casos aumenta nos finais de semana, especialmente a partir das 18 horas, notadamente ocasiões em que os parentes
homens estão em casa, corroborando com a hipótese de o agressor não ser uma
pessoa estranha à vítima e sua família. (Dados revelados através de pesquisa
sobre vitimização feita por Kahn, quando ele trabalhava no Ilanud, o Instituto
Latinoamericano das Nações Unidas para a Prevenção de Delito e o Tratamento do
Delinquente)
No
sudeste, tem aumentado o numero de ocorrência. No Rio de Janeiro, houve 434
ocorrências de estupro em março de 2011. Já em 2012, no mesmo período foram 545,
um aumento de mais de 20%. Em São Paulo, a ocorrência do crime cresceu 18%.
Passando de 919 para 1088 casos no Estado. (Marie
Claire, A história do Mundo).
Os
ataques “clássicos” de estupro, onde os crimes são cometidos em vias públicas
abrange o total de 44%. E onde o estuprador é um desconhecido violento e armado,
representa algo em torno de 35% e 40%, (informação repassada pela ministra
Eleonora Menicucci, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência
da República). Dentre essa margem percentual, devem-se incluir os estupradores
brancos, bem vestidos e a pé, ou os que passeiam de carro e arrastam a vítima
pra dentro do veiculo e as estupram dentro do automóvel mesmo. Também estão
inseridos na estatística os caras que abordam as mulheres em ponto de ônibus,
bar, ou outro lugar qualquer, as envolvem e levam pra um lugar ermo ou
desconhecido pra também estupra-las. Enfim, há uma gama de situações e
agressores, e o estuprador clássico, citado no primeiro parágrafo, talvez
responda por algo em volta de 10% ou 15% (suspeição minha levando em
consideração as variantes dos ataques).
É
fácil imaginar o estuprador “clássico” ou de “verdade” como o responsável pelo
maior número de ocorrências. Façamos uma reflexão; quem é o principal suspeito
de cometer qualquer tipo de crime? Prioritariamente, será a pessoa descrita no
primeiro parágrafo deste post, seja homem ou mulher. Haja vista a população
carcerária, composta primordialmente por negros e pobres. Então podemos
concluir que o estuprador “clássico”, também é o assaltante “clássico”, o
assassino “clássico” ou o bandido “clássico”, cometendo o estupro “clássico”.
Mas grande parte dos estupradores “clássicos” está na cadeia ou está sob
vigilância policial, da própria vítima potencial e pela população.
Perdoe-me,
pois preciso fazer uma reflexão que não tem uma obvia relação com o tema, mas
que compreendo estarem correlacionados. A gente tem sempre a tendência de relacionar
a criminalidade ao bandido “clássico”, que é o homem negro, mal vestido e “mal
encarado” (eufemismo pra feio). No entanto, a pessoa descrita anteriormente
representa o trabalhador, o homem comum, o pobre; o homem que olha meu carro,
serve à minha mesa, reforma minha casa, conserta meu carro... Que todos nós precisamos
deles, e somos eles. Mas que no entanto a classe média e a elite nos ensinaram
a temê-los. Somos pobres desconfiando de pobres. Isso porque estamos sempre com
medo de que nos roubem, mesmo que seja o sexo. Por isso usei o “clássico” pra
representar essa ideologia.
Mas
voltando ao tema; embora o estupro “clássico” represente uma taxa de ocorrência
relativamente baixa, esse é o que mais choca a sociedade, mais provoca
indignação e povoa o imaginário de homens e mulheres. Usei o “clássico” também
nesse caso pra diferenciar o que grande parte das pessoas entende como estupro
de “verdade”, que seria o executado por desconhecido armado e violento, e o
estupro sem uso de violência física ou arma, praticado por conhecido e que
muita gente acredita não ser estupro.
Pois
bem, estudos realizados nos EUA revelam que 70% dos casos de estupros
registrados no país eram cometidos por conhecidos da vítima. Como deu pra
perceber, o índice é bem parecido como o brasileiro, e como já falei num post
anterior (Veja aqui)
os agressores eram amigos, tios, padrastos, irmãos e até pais das
vítimas. Como também já falei num post anterior, uma parcela significativa das
mulheres estupradas foram vítimas de uma prática que tem se tornado bem comum,
que é embriagar a vítima pra depois estupra-la.
Muitos
usam deste expediente porque as “vantagens” seriam muitas, dentre elas; as
vítimas não oferecem resistência ao sexo, não lembram exatamente o que
aconteceu (lembra o caso do Big Brother Brasil?), sentem-se culpadas, sentem-se
envergonhadas e, a maior “vantagem”, e pelos motivos elencados não denunciam os
agressores. Infelizmente, estes estupradores contumazes permanecem livres pra
irem reproduzindo esse crime em série.
Também
fazem parte do rol de estupradores contumazes os que exercem qualquer tipo de
poder sobre a vítima, pai, padrasto, tio, irmão, amigo dos pais e outros. Esse
segundo tipo, usa da “autoridade” que tem pra seriadamente estuprar a mesma
vítima e usam toda espécie de ameaça pra mantê-la calada. Esse tipo de agressão
é bem mais comum do que a gente imagina, e uma das mais violentas, pois produz
um ciclo de estupros interminável e silêncio, onde a vítima se culpa por não
repelir o agressor e por não conseguir denuncia-lo. Combater esse tipo de violência é uma tarefa bastante difícil por duas
razões: a baixa quantidade de denúncias, Apenas 14% das
vítimas desse tipo de agressão registram o fato na polícia, e a proximidade entre vítima e agressor, fator que representa uma ameaça
real a sua integridade física, moral e psicológica.
Lamentavelmente,
percebemos que não se pode reconhecer um potencial estuprador. Pois ele pode
estar em qualquer lugar; casa, trabalho, rua, ponto de ônibus, faculdade...
Também pode ser alto, baixo, bonito, feio, bem vestido, mal vestido... E,
infelizmente, pode ser qualquer pessoa, amigo, marido, pai, tio, avô, irmão...
Então,
como se sentir segura num cenário como esse?
Há
três maneiras, uma é revertendo a cultura do estupro, outra é expondo pra
sociedade os estupradores e a terceira, é acabando com a impunidade. As três
alternativas devem ser implementadas em conjunto pra que sejam eficazes. Mas
não é tão difícil quanto parece, já que a primordial, acabar com a cultura do
estupro, impacta sobremaneira sobre as outras duas medidas. Já que quando não
há a culpabilizaçãoT da vítima ela se sentirá mais a segura pra denunciar o
agressor e cobrar a punição do crime.
No
site Bule Voador encontrei um artigo, escrito por Natasha Avital, “Os estupradores estão contando com
você”, discorrendo sobre como evitar
um estupro. Desse post retirei um
trecho que achei bem interessante e reproduzi aqui em baixo. É sobre a cultura
do estupro e como revertê-la.
“Não perpetue mitos sobre estupro.
Quando você culpa uma vítima de estupro porque a saia dela era muito curta ou o
decote muito grande, ou porque ela bebeu demais; quando você diz que uma mulher
não pode reclamar de um estupro quando demonstrou interesse sexual no agressor,
o estupro ocorreu após uma ‘ficada’ ou um encontro, ou ela já havia feito sexo
com ele antes; quando você reage a uma notícia de estupro com um comentário
sobre a ‘irresponsabilidade’ ou ‘ingenuidade’ de uma mulher estuprada; quando
você naturaliza o sexo forçado dentro de um namoro…você está dizendo pras
mulheres á sua volta que, caso elas sejam estupradas nessas circunstâncias,
você não vai ajudá-las. Que você vai dizer que a culpa foi delas. Que, se você,
que é amigo/a, irmã/o, mãe ou pai, vai acusá-las de ser “vadias” ou
“irresponsáveis” ou “burras”, então as pessoas que não a conhecem, a polícia, a
promotoria, o juiz ou juíza, vão julgá-la de forma pior ainda. E, mais
importante, você está dizendo a todos os estupradores á sua volta que, caso
eles estuprem uma mulher nestas circunstâncias, você provavelmente vai
defendê-los, e acreditar neles quando eles disserem que foi apenas um
mal-entendido ou que eles não tiveram como se controlar, porque a mulher
provocou.”
“Quando você diz que mulheres têm ‘que
se dar ao respeito’ você está dizendo pras mulheres á sua volta que respeito é
um privilégio que elas têm que fazer por merecer, e não um direito irrevogável
de todo ser humano. Quando você conta ou compartilha uma piada sobre estupro,
principalmente uma piada cujo mote seja ‘A mulher estuprada na verdade curtiu o
estupro’ você está dizendo pras mulheres á sua volta que você não leva estupro
a sério e que, dadas as circunstâncias, você inclusive o acha hilário.”
“Quando você naturaliza e justifica uma
violência vista como menos grave, como o assédio verbal na rua, o assédio
sexual no ambiente de trabalho, o assédio sexual que parte do professor, o
assédio online, o assédio repetido do vizinho/colega de trabalho/colega de
faculdade que não aceita ‘não’ como resposta, quando você diz que, lá no fundo,
toda mulher gosta desse tipo de assédio, quando você diz que a assediada, quando
ficar ‘velha e feia’, terá saudades dos dias em que desconhecidos mexiam com
ela na rua… Quando você naturaliza e justifica a violência física que muitas
vezes acontece em ambientes de festa, nos quais homens passam a mão em
desconhecidas, arrancam beijos á força, cercam uma mulher em grupo e não a
deixam ir embora antes de coagi-la a um beijo….você está dizendo pras mulheres
à sua volta que existem certas violações do corpo e do espaço dela que não são
‘nada demais’, que a recusa dela não precisa ser respeitada, que o que ela tem
a dizer sobre como aquela experiência a faz sentir não vale nada (afinal, ‘todo
mundo sabe’ que, no fundo, no fundo, ela adorou a atenção masculina).”
E
acho que o primordial, de tudo o que foi esclarecido, é que nós, mulheres,
sejamos solidárias umas com as outras e lutemos umas pelas outras pelo direito
de não termos nossos corpos e nossas almas violadas pelo simples fato de que os
homens contam com nosso silêncio, nossa resignação, culpabilização e rivalidade,
que eles constantemente alimentam e semeiam. Precisamos denunciar os casos de
estupros, seja de qual tipo for, e nos apoiarmos na luta pela punição dos
agressores.
1 comentário:
Acho que o estuprador sempre procura na sua vítima a fragilidade, ou seja, a brecha para a entrada fácil dele para conseguir seu objetivo, como por exemplo, uma porta destrancada, uma criança brincando sozinha na calçada, uma moça caminhando sozinha em uma rua deserta. Enfim, essas fragilidades são a porta de acesso desses meliantes.
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