Por Ana Eufrázio
Assim como Fran, que teve sua vida destroçada
na internet, também tive minha intimidade exposta e passei dias de cão. E também
como Fran, tive minha privacidade violada por um canalha no qual confiei. O
conheci num desses bailes dos anos 90 e que frequentava as escondidas da minha
avó, pois ela não me deixava sair nem pra ir à igreja. Tinha apenas 14 anos e
ele vinte e três. Era magro, alto, militar (bombeiro), alcoólatra, tinha dentes
e cabelos curtos, passava todo o tempo livre nas calçadas das esquinas, perto
de sua casa, bebendo cachaça em companhia de alguns de seus vizinhos também
desocupados. De vez em quando matava aula pra vê-lo. E assim como o animal que
difamou Fran, ele também não me dava o menor valor. Marcava comigo e me deixava
esperando, me ignorava no início do baile e só me procurava quando não
conseguia ficar com ninguém. Algumas vezes ele passava ou ficava de frente pra mim
e fingia não me ver.
Apesar de não termos marcado, nos encontramos
num clube do bairro onde morávamos. Perto do final do baile, por volta das 2 da
madrugada, o mau caráter, que atende pelo apelido de Lola (quem me conhece vai
saber de quem se trata), marcou de nos encontrarmos em alguns minutos na saída.
Então, avisei as minhas amigas que iria embora antes e as esperaria na frente
da casa delas. Ele saiu primeiro e me aguardou em frente ao clube. Caminhamos juntos
até a garagem da loja de um amigo dele. Assim que chegamos na calçada da
garagem ele me puxou, agarrou-me e me colocou sentada em seu colo. Começamos
pelos beijinhos e carinhos, e o clima foi esquentando até que começamos as carícias.
Lá pelas tantas, ele abriu a minha blusa, retirou meu sutiã e o colocou no
bolso da calça. Estava com uma blusa branca, transparente, com botões de cima a
baixo.
Ele insistiu pra que eu ficasse com camisa
completamente baixa, presa a mim apenas pelos punhos, com abdome e os seios
completamente nus. Então, ele pediu pra que me afastasse um pouco, pois gostaria
de apreciar meu colo. Meio constrangida, mas com uma vontade enorme de agradar,
obedeci. Até mesmo porque não havia iluminação o suficiente pra que ele pudesse
me ver em detalhes. O que eu não sabia é que ele também havia marcado com seus
amigos de estar no mesmo local, na mesma hora e todos escondidos, deveriam ser
pelos menos uns 10. Quando estava exatamente sob a luz, bem no meio da garagem,
um canalha ligou o interruptor e um clarão surgiu exatamente sobre mim. Por conta
da posição da minha camisa, demorei bastante pra conseguir proteger os meus
seios com a blusa ou mesmo cobri-los com as mãos. Foram poucos segundos de
exposição, mas o suficiente pra que pudessem observar meus seios e a minha
agonia. Enquanto tentava proteger minha intimidade, eles faziam todo tipo de
comentário e ainda me perguntavam se queria “uma mãozinha” pra me cobrir os
seios. Enquanto isso, o idiota só observava rindo. Não teve se quer a decência de
tentar me proteger como um gesto de desculpa.
Embora tenha conseguido me recompor, ainda
tive de permanecer de braços cruzados, já que a blusa quase não escondia nada. O
constrangimento foi tamanho que não tive coragem nem de pegar meu sutiã de
volta, ficou com ele. Fui pra casa da minha amiga aos prantos. Foram meses de
muita angústia e sofrimento. Fiquei quase uma semana sem ir à escola. Mesmo tento
ficado de molho em casa por um mês inteiro e sem ver nenhum dos amigos dele,
assim que fui vista pela primeira vez na rua por eles tive de aturar muita
gozação. Alguns deles pegavam os peitos nas mãos, baixavam a cabeça e simulavam
lamber os mamilos. Outros ficavam apertando os mamilos entre os dedos,
colocando a língua pra fora, mexendo a língua de um lado pra o outro e
revirando os olhos. Sem contar que, por razões óbvias, me apelidaram de “Bebê a
bordo”.
Sentia-me humilhada, frustrada, e acima de
tudo, traída. Minha autoestima, que já era baixa, foi definitivamente pra o espaço.
Por meses, minhas noites eram intermináveis e meus dias angustiantes. Ficava
apavorada com a possibilidade de cruzar com alguns de seus amigos,
principalmente os que estavam no dia do flagra e que ficavam fazendo gozações.
Aliás, eu temia todas as pessoas indiscriminadamente. Temia os comentários
sobre o ocorrido, temia que alguém contasse pra minha mãe ou que ficassem
fofocando ao me avistarem. Tinha medo até de que os rapazes que presenciaram a
cena achassem que não era mais virgem.
Enfim, a vergonha e o medo me acompanhavam o
tempo inteiro. Apesar dos prejuízos e do medo eu sobrevivi e superei. Entretanto,
eu não deveria ter nenhuma vergonha, pois tinha os seios lindos e havia sido
vítima de um cafajeste. Se alguém devia sentir-se constrangido, esse alguém seria
ele e seus amigos. Guardada as devidas proporções, inclusive a temporal (fui
vítima há 25 anos atrás), eu, Fran e muitas outras, somos vítimas não só de
canalhas que traem a nossa confiança, como também dessa sociedade machista que acredita
que devamos ser assexuadas.
E pra concluir, é essencial que não nos esqueçamos que essa hipocrisia
(sobre sexo, sexo oral ou anal e adjacências) serve ao propósito de oprimir a todas nós mulheres.
Porque o controle da nossa sexualidade é apenas mais uma violência, dentre as
muitas outras das quais somos vítimas. Além do mais, esse controle é o
principal gatilho que gera de tantas outras violações aos nossos direitos.
5 comentários:
Olha ai,bem feito!
com 14 anos,já andava atrás de macho para se roçar,depoius quer dar uma de coitada.
mulher safada sempre se lascará,sempre será assim,pq homem sórespeita as certinhas,as outras é para mostrar como troféu e denegrir mesmo,mostrando que "essa é puta",como se fosse desvendando a máscara que tds sabemos que a mulher tem.
É incrível como pode ser tão macho para vir denegrir uma mulher, mas não é macho pra mostrar a cara quando o faz...
Então a mulher tem máscara por fazer o que quer, com quem quer e quando quer? Legal... Bom que a tua máscara se quer existe, não é mesmo? Pois notaria-se até mesmo por trás dela o quão machista e babaca tu és.
Ana, lamento que tenha passado por todo esse constrangimento. Eu jamais poderia dizer que sei como se sente porque sendo homem sou automaticamente privilegiado por essa sociedade machista, mas deixo aqui minhas palavras de apoio e principalmente, de admiração, por toda coragem de abrir para todos uma parte bem tensa de tua história.
Quem dera se todos aprendessem a respeitar apenas absorvendo o que cada relato nos passa.
Parabéns pela coragem e vamos que vamos, porque a luta continua!
Ana querida nos solidarizamos com você... Esse e tantos outros misóginos imbecis, difamadores e incitadores à violência com as mulheres e meninas, infelizmente ainda não são totalmente coibidos e punidos. Verbalizar ofensivamente contra as mulheres, eles sabem que é crime, e só fazem através dos nossos blogs, porque são uns covardes...
Célia Rodrigues - Comunicadora de Gênero - www.mulheridealcariri.blogspot.com
Nossa, que ridícula essa pessoa de 23 anos que precisa humilhar uma menina de 14 anos para se autoafirmar. Que ridículos os amigos dessa pessoa que embarcam nessa. Que patética essa pessoa que aparece para comentar sem nenhum pudor de sua própria imbecilidade. Tomara que seja ele próprio.
Toda a minha solidariedade a você, à Fran e a todas as outras mulheres "safadas" do mundo. Já passei por isso e por muito tempo ainda achei que a culpa era minha, que eu merecia mesmo era me foder, porque o que é que eu estava pensando, porque eu era ridícula de precisar tanto de atenção, porque eu deveria ter me dado o respeito, etc. etc. etc.
Demorou, mas hoje consigo ver quem eram as pessoas a quem cabia a vergonha.
Agradeço a solidariedade e o carinho de Proibidos Para Incrédulos, de Mulher Ideal Cariri e Letícia Penteado. O apoio prestado por vocês é o que me faz compreender que vale a pena continuar denunciando a cultura machista. Sem apoio de amigos e de pessoas que se solidarizam com a luta feminina ficaria impossível seguir nessa batalha. Não posso negar que as ofensas a minha integridade enquanto mulher me provoca desconforto, entretanto, entendo que as agressões pessoais revelam nada menos que a frustração dos machistas pela perda de privilégios que vêm sofrendo nos últimos anos. Pessoas desaculturadas como o anônimo acima não toleram perceber que se tornaram obsoletos, que suas ideias representam o que há de mais atrasado na nossa sociedade e que mulheres de verdade sequer se aproximam dele. O depoimento deixado por ele demonstra o quanto de amargura que ele carrega, o quanto solitário e insensível ele é. Provavelmente ele é pai, mas com certeza ele é filho e talvez tenha namorada ou mulher, assim como ele se sentiu a vontade para me chamar de puta alguém, em algum momento, ira fazer o mesmo com uma dessas. Seja quando a filha dele de 12, 13, 14 ou 15 anos e começar a sentir aflorar sua sexualidade ou quando a mãe dele depois do 60 anos se sentir confortável para arranjar um namorado ou quando sua mulher ou namorada ousar vestir-se de forma sensual. Então, ele vai questionar a cultura machista, apesar de não saber como. O grande medo do homem machista é que a mulher que compartilha a cama com ele descubra que ele é estúpido, um ogro, e muito ruim de cama. Porque somente um homem que não sabe nada sobre a própria sexualidade e menos ainda sobre a sexualidade feminina tenta reprimir essa última.
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